A terapia alimentar infantil é um recurso terapêutico essencial para crianças com condições clínicas que comprometem a capacidade de mastigar, deglutir ou aceitar alimentos de forma segura e eficaz.
Essa modalidade é amplamente utilizada em quadros neurológicos, genéticos e comportamentais, como no Transtorno do Espectro Autista (TEA), disfagia orofaríngea, paralisia cerebral e outras comorbidades que afetam o crescimento e a saúde nutricional infantil.
Apesar da relevância médica, muitas famílias encontram obstáculos quando buscam a cobertura do tratamento pelo plano de saúde. As negativas, porém, podem ser revertidas com embasamento jurídico e técnico adequado, como veremos neste conteúdo. Confira agora!
Quando a terapia alimentar é clinicamente indicada?
A terapia alimentar é um conjunto de intervenções multiprofissionais — geralmente envolvendo fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas — focadas em:
- Ampliar o repertório alimentar (casos de seletividade extrema)
- Reabilitar funções orais como mastigação e deglutição
- Corrigir padrões de aversão oral desenvolvidos após sondas ou traumas
- Prevenir ou tratar desnutrição e perda de peso significativa
- Evitar aspiração e engasgos em crianças com disfagia neurológica
- Trabalhar habilidades sensório-motoras orais
Crianças com autismo, por exemplo, frequentemente apresentam padrões alimentares restritivos ou hipersensibilidades sensoriais. Já pacientes com paralisia cerebral podem apresentar risco aumentado de broncoaspiração e desnutrição devido à incapacidade motora para deglutir.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, cerca de 25% das crianças com TEA têm distúrbios alimentares graves e requerem suporte especializado. A ausência dessa abordagem pode comprometer seriamente o estado nutricional, o desenvolvimento global e a qualidade de vida da criança e da família.
A cobertura da terapia alimentar pelo plano de saúde é obrigatória?
Sim, desde que haja indicação médica vinculada a um CID e diagnóstico clínico justificado. A Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656/98) e a jurisprudência consolidada determinam que:
- Procedimentos indicados como parte do tratamento da doença coberta devem ser custeados, ainda que não estejam nominalmente descritos no Rol da ANS
- O rol da ANS é exemplificativo (STJ, REsp 1.886.929/SP), ou seja, a ausência de um procedimento na lista da ANS não exclui a obrigação da operadora
- A recusa baseada exclusivamente na ausência de previsão normativa é considerada abusiva, conforme o Código de Defesa do Consumidor
Além disso, a Lei 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde, exige que operadoras cubram tratamentos fora do rol da ANS sempre que houver:
- Prescrição médica fundamentada;
- Comprovação de eficácia baseada em evidências científicas;
- Existência de recomendações em outras diretrizes clínicas;
- Risco de agravamento do quadro clínico sem o tratamento.
Portanto, se o médico assistente prescrever a terapia alimentar como parte do protocolo terapêutico para uma condição coberta pelo plano, a operadora deve autorizar o tratamento, sob pena de infração legal e risco de responsabilização judicial.
Como proceder diante da negativa de cobertura?
Se a operadora do plano de saúde negar o pedido de cobertura da terapia alimentar, a orientação prática é seguir os seguintes passos:
1. Exija a negativa por escrito
Conforme a Resolução Normativa nº 395/2016 da ANS, o plano é obrigado a fornecer a justificativa da recusa formalmente em até 24 horas. Esse documento será essencial em eventual ação judicial.
2. Solicite relatório médico técnico
Peça ao profissional que prescreveu a terapia um relatório que descreva:
- O diagnóstico (com CID)
- A justificativa clínica para a terapia alimentar
- A frequência ideal de sessões
- Os riscos da não realização do tratamento
- A vinculação entre a terapia e a melhora funcional e nutricional
3. Reúna exames e histórico clínico da criança
Documentos que demonstrem perda ponderal, atrasos no desenvolvimento, internações, disfagia ou dificuldade de alimentação reforçam a urgência e a necessidade do tratamento.
4. Acione o Judiciário, se necessário
Com os documentos em mãos, é possível ingressar com ação judicial com pedido de tutela de urgência (liminar), para garantir a autorização do tratamento em curto prazo. O Judiciário tem acolhido majoritariamente esses pedidos, diante do risco à saúde e à vida da criança.
5. Se não houver profissionais credenciados
Caso a operadora não disponibilize profissionais com capacitação para terapia alimentar ou não tenha clínicas especializadas, o tratamento pode ser realizado em rede particular, com reembolso ou custeio direto, mediante autorização judicial.
Perguntas frequentes (FAQ)
1. A terapia alimentar está no rol da ANS?
Não de forma nominal, mas isso não impede a cobertura. O importante é estar vinculada a uma doença coberta e ter prescrição médica fundamentada.
2. O plano pode limitar o número de sessões por mês?
Não. A quantidade de sessões deve seguir a indicação médica, e a limitação sem critério técnico é considerada abusiva.
3. Posso escolher o profissional de confiança para a terapia?
Sim, caso não existam profissionais especializados na rede credenciada ou os disponíveis não atendam às necessidades da criança. Nesses casos, é possível buscar autorização judicial para atendimento fora da rede.
4. O plano pode exigir que a terapia seja feita apenas com fonoaudiólogo ou nutricionista?
Não. A equipe deve ser multidisciplinar, conforme indicação médica. Limitar o profissional pode comprometer a eficácia do tratamento.
5. Qual o tempo médio de resposta judicial nesses casos?
Em ações com pedido de liminar bem fundamentadas, a decisão é dada de forma rápida, com poucos dias, permitindo início imediato do tratamento.
6. Terapia alimentar serve apenas para crianças com autismo?
Não. A terapia é indicada para diversas condições médicas que impactam o ato de se alimentar. O TEA é apenas uma das situações clínicas mais recorrentes.
7. A operadora pode alegar ausência de comprovação científica para negar?
Não se houver estudos ou diretrizes clínicas reconhecidas que respaldem o tratamento, como as da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, Nutrição ou Terapia Ocupacional.
8. Existe jurisprudência favorável?
Sim. Tribunais têm sistematicamente decidido a favor dos pacientes, reconhecendo que o direito à saúde deve prevalecer sobre interesses comerciais das operadoras.
9. Há risco de judicializar e perder a causa?
Se o caso for bem documentado, com respaldo técnico e urgência demonstrada, a chance de êxito é muito alta. O risco é mínimo quando os critérios legais são preenchidos.
Conclusão
A terapia alimentar é um tratamento de natureza essencial para muitas crianças que enfrentam dificuldades graves para se alimentar de forma segura, nutritiva e funcional. Ela não pode ser considerada um serviço estético, opcional ou apenas educacional. Trata-se de um recurso terapêutico respaldado por evidências clínicas e reconhecido como parte do cuidado integral no contexto de diversos transtornos de saúde.
A negativa de cobertura por parte dos planos de saúde, quando há prescrição médica adequada e justificativa clínica, é ilegal e pode ser judicialmente combatida. Famílias que enfrentam obstáculos nesse processo têm respaldo jurídico para exigir seus direitos, inclusive com decisões liminares que autorizam o início do tratamento em caráter de urgência.
Se você enfrenta esse tipo de situação, saiba que não está sozinho. Buscar orientação jurídica especializada é o primeiro passo para assegurar que o plano de saúde cumpra com o seu dever legal e ético.

Erick Kobi é advogado especializado em Direito à Saúde, com ampla atuação na defesa dos direitos de pacientes em casos de negativas de cobertura por planos de saúde e acesso a medicamentos de alto custo pelo SUS. Fundador do escritório Kobi Advogados, é reconhecido por sua atuação estratégica e humanizada em ações judiciais que garantem o fornecimento de tratamentos, cirurgias e terapias negadas indevidamente.
