O Diagnóstico Genético Pré-implantacional (PGD) é uma das ferramentas mais avançadas da medicina reprodutiva moderna. Ele permite, durante o processo de fertilização in vitro (FIV), a identificação de alterações cromossômicas ou mutações genéticas em embriões ainda não implantados no útero. Com isso, casais com risco de transmitir doenças hereditárias graves têm a chance de gerar filhos livres dessas condições — uma conquista clínica e bioética significativa.
Apesar da importância médica do exame, seu alto custo — que pode ultrapassar R$ 20 mil — e o enquadramento jurídico como técnica de planejamento familiar dificultam o acesso à população em geral.
Este conteúdo analisa, de forma detalhada e técnica, as implicações legais, clínicas e jurisprudenciais sobre a possibilidade de obtenção do PGD pelo SUS ou por planos de saúde.
O que é o PGD e para quem é indicado
O PGD é indicado principalmente para:
- Casais com histórico familiar de doenças genéticas hereditárias (como fibrose cística, Tay-Sachs, talassemia, entre outras)
- Portadores de anomalias cromossômicas estruturais, como translocações balanceadas
- Mulheres com idade materna avançada, com risco aumentado de aneuploidias (como síndrome de Down)
- Casais que já passaram por abortos recorrentes de origem genética
- Casos de doenças monogênicas diagnosticadas em filhos anteriores
Além de prevenir doenças genéticas graves, o PGD pode ser utilizado como estratégia terapêutica complementar em situações muito específicas — como no caso de procurar embriões compatíveis para doação de medula óssea entre irmãos.
PGD é coberto pelo SUS ou planos de saúde?
Apesar do avanço da medicina reprodutiva, o PGD ainda está fora da cobertura obrigatória dos planos de saúde, conforme o rol de procedimentos da ANS. Já no âmbito do SUS, o exame é praticamente inexistente, mesmo em centros públicos especializados em reprodução humana. A maioria das unidades não oferece estrutura laboratorial para a realização do diagnóstico genético de embriões.
Essa exclusão decorre de dois fundamentos principais:
- Enquadramento como parte do planejamento familiar, e não como procedimento essencial de saúde;
- Ausência de previsão normativa ou regulamentação específica que obrigue sua cobertura universal.
Assim, ainda que haja laudos médicos indicando a necessidade clínica do PGD, a maioria das decisões judiciais brasileiras têm negado o custeio, mesmo pela via judicial, entendendo que se trata de um procedimento eletivo, opcional e fora do rol de direitos fundamentais.
Único precedente relevante: caso específico de transplante de medula
Em 2019, o TJDF reconheceu, em decisão unânime, a obrigação de um plano de saúde custear o PGD quando o objetivo da gestação era viabilizar um transplante de medula óssea para o filho do casal, portador de doença hematológica grave. Nesse caso, o exame genético foi usado não apenas para prevenir doenças, mas para identificar um embrião compatível com a criança enferma, visando salvar sua vida.
A decisão foi inovadora por três razões:
- Reinterpretou o direito ao planejamento familiar à luz da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde de um terceiro (o filho do casal);
- Enquadrou o PGD como etapa necessária de um tratamento médico, e não apenas como ferramenta de escolha reprodutiva;
- Reconheceu que o rol da ANS não é taxativo quando há laudo médico e urgência terapêutica.
Contudo, esse precedente é excepcional e intransferível para a maioria dos casos comuns de FIV ou prevenção genética, o que exige cautela em eventuais tentativas de judicialização.
O que fazer se houver recomendação médica para o PGD?
Se um especialista em reprodução humana recomendar o PGD, é possível tentar o custeio pela via judicial, embora as chances de sucesso sejam baixas fora de contextos excepcionais. O ideal é:
- Laudo genético detalhado: deve haver relatório médico com CID da condição genética a ser evitada, histórico familiar, descrição do risco de herança e recomendação expressa do PGD.
- Avaliação bioética e psicológica: especialmente em situações que envolvam o uso do exame para salvar irmãos enfermos ou selecionar embriões com base em compatibilidade genética.
- Negativa expressa do plano de saúde: é essencial apresentar a recusa formal, por escrito, como pré-requisito para eventual judicialização.
- Análise jurídica especializada: advogados especializados em direito à saúde devem avaliar se o caso se enquadra nos raros contextos de possível deferimento.
Conclusão
O PGD é um exame de enorme valor preventivo, mas ainda enfrenta grandes barreiras legais para custeio pelo poder público ou planos de saúde. A jurisprudência só tem admitido o custeio em casos absolutamente excepcionais, como quando o procedimento é necessário para salvar a vida de um filho do casal já nascido.
Para a maioria dos casais, o exame continua acessível apenas na rede privada — com custo que pode ultrapassar R$ 20 mil. Antes de considerar a judicialização, é essencial ter clareza de que o contexto do caso deve ser extremo e documentado para haver alguma chance real de êxito.
Perguntas frequentes
PGD é obrigatório em todas as FIVs?
Não. Ele é opcional e indicado apenas em casos de risco genético documentado.
Planos de saúde devem cobrir PGD?
Somente em casos extremamente excepcionais, como o julgado pelo TJDFT em 2019. Fora isso, a jurisprudência é majoritariamente negativa.
Qual o custo do PGD?
O valor varia, mas o exame costuma custar entre R$ 15 mil e R$ 25 mil, além dos custos da fertilização in vitro.
PGD pode ser usado para selecionar sexo do bebê?
Essa prática é proibida pela legislação brasileira, exceto quando o sexo estiver relacionado à transmissão de doenças genéticas (como distrofia muscular de Duchenne, que afeta apenas meninos).
Há centros públicos no Brasil que realizam PGD?
Muito poucos. Mesmo hospitais universitários com programas de reprodução humana não oferecem a triagem genética por falta de estrutura laboratorial.
O uso do PGD é regulamentado?
Sim. O CFM (Conselho Federal de Medicina) disciplina seu uso em normas éticas específicas, mas isso não implica obrigatoriedade de cobertura pelo SUS ou planos.
Existe fila de espera para PGD no SUS?
Na prática, não há fila porque o exame não está disponível. O que existe são longas filas para a própria FIV.
Casais homoafetivos podem solicitar PGD?
Sim, desde que haja indicação médica clara e risco genético documentado.

Erick Kobi é advogado especializado em Direito à Saúde, com ampla atuação na defesa dos direitos de pacientes em casos de negativas de cobertura por planos de saúde e acesso a medicamentos de alto custo pelo SUS. Fundador do escritório Kobi Advogados, é reconhecido por sua atuação estratégica e humanizada em ações judiciais que garantem o fornecimento de tratamentos, cirurgias e terapias negadas indevidamente.

 
															