O congelamento de óvulos, também conhecido como criopreservação de gametas femininos, é uma das tecnologias mais relevantes da medicina reprodutiva moderna. Inicialmente voltado apenas à preservação da fertilidade em pacientes com doenças graves, o procedimento ganhou novos contornos nos últimos anos, especialmente diante da crescente busca por autonomia reprodutiva, planejamento familiar e tratamentos preventivos contra a infertilidade.
No entanto, quando o assunto envolve acesso gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), surgem dúvidas e barreiras significativas.
Muitas mulheres desconhecem que, em determinadas situações, o congelamento de óvulos pode ser garantido como um direito, e negado apenas mediante justificativa técnica.
Este artigo detalha as condições legais, clínicas e judiciais que regulam o tema, trazendo informações fundamentais para quem precisa do procedimento, mas enfrenta obstáculos no sistema público.
O que é a criopreservação de óvulos e quando ela é indicada
A técnica de congelamento de óvulos envolve a estimulação ovariana por meio de medicamentos hormonais, a coleta dos óvulos maduros por punção transvaginal e o armazenamento em baixíssimas temperaturas, em tanques de nitrogênio líquido, com capacidade de manter a viabilidade celular por tempo indefinido.
Do ponto de vista clínico, a criopreservação é indicada principalmente em contextos de risco iminente de perda da fertilidade, como:
- Mulheres com diagnóstico de câncer que iniciarão tratamentos gonadotóxicos (quimioterapia ou radioterapia);
- Pacientes com endometriose ovariana severa ou outras doenças que afetem a reserva ovariana;
- Indivíduos trans em processo de transição de gênero;
- Casos de retirada cirúrgica dos ovários por razões clínicas.
Além disso, cresce o uso do congelamento por razões sociais — ou seja, mulheres que desejam adiar a maternidade por fatores profissionais, pessoais ou pela ausência de um parceiro.
Nesses casos, no entanto, o SUS não oferece cobertura, pois o foco da política pública é a preservação da fertilidade em contexto de doença ou risco clínico.
O que diz a legislação e a política pública sobre o congelamento de óvulos pelo SUS
Embora não exista uma lei federal específica que regulamente de forma explícita o direito ao congelamento de óvulos pelo SUS, a Constituição Federal e normas infralegais sustentam juridicamente o acesso em determinadas hipóteses.
A base legal mais importante está no artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com base nesse fundamento, foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, que determina a inclusão da preservação da fertilidade no rol de serviços de alta complexidade do SUS, com diretrizes clínicas que contemplam o congelamento de gametas em casos de risco de infertilidade.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº 1508/2024, que visa regulamentar a oferta de serviços de reprodução assistida de forma mais ampla, incluindo expressamente o congelamento de óvulos para pacientes com câncer ou endometriose grave, prevendo inclusive a possibilidade de utilização da rede privada quando o SUS não conseguir garantir o atendimento em tempo hábil.
Onde e como o SUS oferece o procedimento
Atualmente, são poucos os centros públicos habilitados para a criopreservação de óvulos. Dados não oficiais indicam que menos de 10 Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs) em todo o país realizam o procedimento de forma gratuita. A maioria está concentrada em grandes hospitais universitários, como o Hospital das Clínicas de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte.
Isso significa que, mesmo que a paciente atenda aos critérios médicos e legais, há gargalos práticos severos:
- Falta de divulgação adequada da existência do serviço por parte dos profissionais de saúde;
- Desinformação sobre os fluxos de encaminhamento para centros habilitados;
- Demora na autorização de exames hormonais e medicamentos necessários à estimulação ovariana;
- Fila de espera e limitações orçamentárias nos hospitais públicos especializados.
Além disso, o congelamento de óvulos é um procedimento sensível ao tempo. A resposta ovariana ideal ocorre antes dos 35 anos e, em pacientes com câncer, deve ser realizado com urgência — geralmente entre o diagnóstico e o início do tratamento oncológico.
E se houver negativa? O que diz a Justiça
Quando o SUS nega o congelamento de óvulos a uma paciente com recomendação médica, é possível buscar reparação judicial imediata, por meio de mandado de segurança ou ação com pedido de tutela antecipada (liminar). Em geral, os documentos exigidos são:
- Relatório médico detalhado, com indicação do risco de infertilidade;
- Laudos de exames que comprovem a condição clínica;
- Prova da negativa administrativa (protocolo de atendimento, e-mail ou documento da Secretaria de Saúde).
A jurisprudência brasileira reconhece o direito à preservação da fertilidade em pacientes oncológicas como extensão do direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à autodeterminação reprodutiva. Em diversos casos, o Poder Judiciário tem determinado que o SUS custeie o procedimento integralmente, inclusive medicamentos hormonais e acompanhamento especializado.
Considerações finais
A criopreservação de óvulos, quando clinicamente indicada, é um direito protegido pela Constituição e pelas políticas públicas de saúde reprodutiva. No entanto, o caminho até a efetivação desse direito pode ser desafiador, diante das falhas estruturais e da falta de informação nos serviços públicos.
Por isso, é fundamental que pacientes que se enquadram nos critérios clínicos estejam bem orientadas e respaldadas, tanto do ponto de vista médico quanto jurídico. O acesso precoce à informação, o conhecimento da legislação e o suporte de advogados especializados em Direito da Saúde podem fazer a diferença entre garantir ou perder a chance de gestar no futuro.
A Kobi Advogados atua com excelência em ações judiciais que visam assegurar o direito de mulheres à preservação da fertilidade, especialmente em situações de risco clínico e vulnerabilidade. Se você recebeu uma negativa do SUS ou não sabe por onde começar, busque orientação jurídica qualificada o quanto antes.
Erick Kobi é advogado especializado em Direito à Saúde, com ampla atuação na defesa dos direitos de pacientes em casos de negativas de cobertura por planos de saúde e acesso a medicamentos de alto custo pelo SUS. Fundador do escritório Kobi Advogados, é reconhecido por sua atuação estratégica e humanizada em ações judiciais que garantem o fornecimento de tratamentos, cirurgias e terapias negadas indevidamente.